Nestas 100 fotografias de Carlos Costa procura-se homenagear a excepcional virtude de um homem que se tem esforçado para que o presente não perca a memória.
Se fazer uma fotografia é uma escolha, a mostra é uma segunda escolha.
Num universo possível de muitas centenas de fotografias, preferimos as menos vistas, as mais antigas, fa-
cilmente reconhecíveis, nuns casos, pelo amarelecimento que o passar dos anos lhes conferiu e que lhes dá uma beleza acrescida, e noutros, nos sinais de deterioração que infelizmente já apresentam, e escolhemos principalmente fotografias de pessoas num determinado ambiente, cujos valores não são apenas os paisagísticos, arqueológicos ou artísticos, são também os humanos, de relações entre os homens e de locais votados ao natural desenvolvimento destas relações.
Preferir uma fotografia a outra, raramente significa apenas que a fotografia é considerada formalmente superior; significa quase sempre – como nos olhares mais casuais – que o espectador prefere aquela atitude, ou respeita aquela intenção ou que o tema o intriga (ou provoca a sua nostalgia). As abordagens formalistas da fotografia não conseguem explicar o poder do que foi fotografado, nem o modo como a distância temporal e cultural aumenta o nosso interesse.
São assim as fotografias de Carlos Costa.
Pondo de parte a tradicional obsessão “voyeurista” dos repórteres fotográficos, as suas fotografias têm uma objectividade latente, confundem-se com a realidade das coisas e factos circundantes, sem encenação, sem espectáculo. O acessório, o ornamento e a procura de um estilo qualquer estão fora de causa. Daí que as suas fotos cheguem a parecer banais.
Mas parte do seu interesse intrínseco e uma grande fonte do seu valor estético, provém precisamente das transformações que o tempo lhes impôs. É que se passar o tempo suficiente, muitas fotografias adquirem mesmo uma aura. (O facto das fotografias a cores não envelhecerem do mesmo modo que as fotografias a preto e branco pode em parte explicar o estatuto marginal que a cor até muito recentemente teve no gosto fotográfico).
Enquanto as pinturas ou poemas pelo simples facto de envelhecerem não melhoram, não se tornam interessantes, todas as fotografias são interessantes e comovedoras se forem suficientemente antigas.
Não é de todo incorrecto dizer que não existem más fotografias, mas tão-só fotografias menos interessantes, menos relevantes ou menos misteriosas.
Também mostramos diverso material que Carlos Costa usou durante todos estes anos para fazer as suas
fotografias.
Desde máquinas fotográficas que em vez de visor têm mira, como se de uma arma se tratasse, até obturadores em que o tempo de exposição é marcado pelo comprimento de cordel que se puxa e que vai dar corda a um mecanismo, há de tudo um pouco.
Todos nós nos lembramos mais ou menos que quando éramos miúdos havia lá por casa uma máquina
fotográfica parecida com uma daquelas e que inevitavelmente foi para o lixo quando substituída. Pois é.
Carlos Costa conservou as dele!
Autênticas peças de museu que fariam ainda as delícias de muitos fotógrafos modernistas, cujo culto do
futuro passa pela exploração exacerbada de métodos de revelação e ampliação antigos, de cujo exemplo
extremo são as fotografias a cores feitas directamente numa simples caixa de cartão com um pequeníssimo furo, sem óptica, sem qualquer mecanismo – numa simples câmara escura.
Se esta moda se generaliza, as máquinas de Carlos Costa, como as suas fotografias, deixam de ser antiquadas, embora continuem a ser antigas!
José Dâmaso